segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Joia ou gente?

    Detalhe que passa despercebido, a escolha das palavras em detrimento de outras sempre diz algo sobre nossa visão de mundo, nossas posições e opiniões. Termos como joia, diamante e pedra preciosa são comumente usados pela imprensa esportiva quando o assunto é uma jovem promessa da base, essas expressões carregam com elas uma conotação econômica. Até que ponto os significados dessas palavras, ou dessas escolhas, refletem o modo como cada garoto da base é visto deve fomentar discussões.

    Desde muito tempo o futebol deixou de ser uma atividade que envolve só paixão, é mais uma atividade econômica - com potencial pouco explorado no país, aliás. O que se espera do investimento feito nas categorias de base é retorno, seja financeiro ou esportivo, logo é de certa forma esperado que os jovens talentos sejam automaticamente transformados em cifras nos conteúdos veiculados por nós da imprensa.

    Fazer essa relação investimento-jovem-mercadoria não inviabiliza necessariamente uma cobertura mais preocupada com o desenvolvimento humano dos jogadores, mas certamente não ajuda a quebrar o ciclo. As repetidas aparições dessas expressões podem colaborar para a manutenção do jovem-mercadoria como visão dominante no esporte.

    Dassler Marques, jornalista que dedicou boa parte de sua carreira ao futebol de base analisa “Eu sempre faço esse exercício, se estamos ou não supervalorizando essa situação, mas a verdade é que todo o entorno do jogador jovem o empurra nessa direção de se ver como mercadoria ou como joia. Tem garotos de 13 anos ou menos que recebem da Nike e da Adidas. Que recebem luvas de agentes, que são tema de reportagens. Enfim, o futebol é assim.” Ele considera que o universo do futebol de base precisa evoluir também em outros aspectos “a base é o lugar onde possivelmente haja o maior número de atitudes corruptas dentro dos clubes, pela dificuldade em investigar”, lamenta o jornalista.

     Para o professor José Carlos Marques, líder do GECEF (Grupo de Estudos em Comunicação Esportiva e Futebol) da UNESP, o jovem no futebol é majoritariamente visto como mercadoria “O uso de metáforas relacionadas ao mundo das finanças apenas sintetiza esse sentimento”, explica. Já para Dassler Marques o uso da palavra joia, diamante, etc pode ter outros significados “acho que a ideia não precisa ser obrigatoriamente financeira. Mas sim fazer relação como algo raro, que é tratado com cuidado, e evidentemente tem valor especial”, argumenta.


     Complementando a reflexão acerca do tema o professor José Carlos afirma “a imprensa não poderia representar apenas um espaço de reprodução das lógicas de mercado, e sim um espaço de crítica e reflexão. Sob esta ótica, o ideal seria que qualquer atleta - criança, jovem, adulto - fosse tratado de forma mais humanizada, e não como uma simples peça de uma engrenagem.” Vale a pena refletir também. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário