segunda-feira, 21 de julho de 2014

Preto no branco

     Quando se fala de legislação nas categorias de base o ECA, estatuto da criança e do adolescente, é o documento a ser observado antes de qualquer outro na escala jurídica. Filho da convenção sobre os direitos da criança, oficializada como lei internacional em 90, o ECA é do mesmo ano e segue os mesmos princípios que são os da doutrina da proteção integral, em palavras bem simples, segundo os dois documentos a criança deverá estar integralmente protegida durante o seu desenvolvimento como ser humano.

     Sobre o assunto conversamos com Raquel Custódio, advogada militante na área cível e desportiva, membro da comissão de direito desportivo da OAB/São Paulo e presidente do tribunal de justiça desportiva da 21ª subseção da OAB, "a legislação protetiva da criança e do adolescente é recente. Hoje nós temos a doutrina da proteção integral, antigamente a criança era vista como objeto e hoje é vista como sujeito de direito", explica Raquel. Logo, antes de ser um jogador com potencial, um futuro craque, o cara que vai limpar o nome do futebol brasileiro do fiasco do 7 x 1, a criança é, nos termos da lei, apenas uma criança. 

     Fazer com que a criança e o adolescente seja vista de tal forma no mundo do futebol é uma missão que vai demandar trabalho e tempo, mas a advogada percebe alguma evolução nesse sentido "hoje nós estamos falando dos direitos da criança é uma coisa recente, da década de 90, hoje se pensa na criança, antes não se pensava", comemora Raquel.

Raquel Custódio, militante dos direitos da criança no futebol
Foto/Arthur Sales
     Por outro lado, nas normas da FIFA e das suas filiadas - CBF e federações estaduais - o que aparece como prioridade é a regulamentação do mercado de futebolistas e apesar dos avanços as regras para as transferências internacionais de menores ainda são quebradas com frequência "proíbe transferências internacionais? Certo. Mas eu sei que existe, por que não tem fiscalização? A fiscalização tem que ir nos clubes europeus, nos grandes, não nos pequenos. Todo mundo sabe que o Messi foi para lá com 12 anos, não poderia. Existe esse regramento, mas com uma fiscalização meio que de olhos fechados, você não consegue provar nada", reclama. Sobre os mecanismos de indenização a falta de exigências para que um clube receba os valores referentes aos anos da formação do jogador evidencia a pouca preocupação com o tema "para receber as indenizações que estão previstas nos regulamentos da FIFA, o clube não precisa ser formador nos termos da lei basta que se comprove que ele esteve vinculado com o clube no período", descreve Raquel. 

     No Brasil além do ECA, e abaixo dele na hierarquia das leis, o certificado de clube formador(CCF) é uma alteração na lei Pelé que age mais diretamente na vida dos jogadores da base. O instrumento, do início de 2012, lista uma série de pré-requisitos para que o clube seja considerado como formador e preenchidas as condições ele fica protegido por uma multa, caso o seu atleta escolha assinar o seu primeiro contrato de trabalho com uma instituição que não a sua o clube formador é ressarcido, mas Raquel é cética em relação ao CCF "acho que nós teríamos que ter outras formas de controle por que na verdade nenhum clube tem a obrigação de ser clube formador", lamenta. Além da não obrigatoriedade a alteração da lei mantém a lógica de objetificar os jovens jogadores.

     Tampouco a fiscalização é adequada. A emissão desses certificados fica por conta das federações estaduais e é sabido que, essencialmente nos clubes pequenos, não existe recursos para garantir assistência médica, odontológica, psicológica, exigidos pela lei, muitas vezes esses profissionais prestam serviços "para inglês ver", como destaca o psicólogo do esporte João Ricardo Cozac "boa parte dos clubes acaba tendo um psicólogo que só assina ali a carteira e vai de vez em quando e tal mas não são profissionais que tem a qualificação, a compreensão, a vivência para trabalhar no esporte".

     A preservação dos direitos da criança e do adolescente é um tema que enfrenta muitas barreiras, mais reais que legais, sobretudo no futebol, afinal "não é interesse dos grandes, das pessoas que lucram com isso, trazer o assunto à tona", conclui Raquel Custódio.

     
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