segunda-feira, 14 de julho de 2014

"O longo caminho para o sucesso"

Com um gol aos 7 minutos do segundo tempo da prorrogação contra a Argentina, Mario Götze encerrou o jejum de 24 anos da Alemanha em Copas do Mundo e colocou a Mannschaft junto a Brasil e Itália no rol de tetracampeões mundiais. O título alemão coroa mais de uma década de planejamento e organização da qual Götze e seus companheiros fizeram parte e que já havia levado o país ao terceiro lugar nas duas últimas copas e a um vice-campeonato europeu.

Um dos símbolos desta geração alemã, Mario Götze virou talismã imprescindível na final da Copa (Arquivo pessoal)

Em 2004, então vice-campeões mundiais, os germânicos fizeram uma campanha desastrosa na Eurocopa e acabaram sendo eliminados na primeira fase, com direito a empate por 0x0 com a modesta Letônia. Aquela equipe contava com o já experiente Miroslav Klose e os jovens Philipp Lahm, Bastian Schweinsteiger e Lukas Podolski.
O fiasco na Euro fez a Federação Alemã de futebol (em alemão, Deutscher Fussball-Bund - DFB) investir ainda mais num plano de fortalecimento das bases e descoberta de novos talentos, cujo embrião havia se iniciado em julho de 2002, com o então presidente Gerhard Mayer-Vorfelder. Parte da renda arrecadada nos sempre lotados jogos da Bundesliga serviram para financiar centros de formação de jogadores por todo o país. O projeto a longo prazo ganhou maior força quando Matthias Sammer assumiu o cargo de diretor esportivo,  em abril de 2006, a apenas dois meses da Copa na própria Alemanha. Naquela edição, Klose, Lahm, Schweinsteiger e Podolski conquistaram o bronze em casa, tendo Joachim Löw como auxiliar técnico.

Matthias Sammer, ex-diretor esportivo da DFB e um dos principais responsáveis pelo atual projeto vitorioso alemão (Getty Images)

Ilustração mostra a integração entre federação,
associações, clubes e escolas (Montagem/DFB)
Sammer, ex-zagueiro e técnico do Borussia Dortmund, esteve presente no último título que a Alemanha havia conquistado - a Euro 1996 - e soube como ninguém dar continuidade ao trabalho na base. Ele implementou o conceito chamado “Longo caminho para o sucesso” (Der weite Weg zum Erfolg), que passou a estimular desde muito cedo a formação de futuros atletas. Crianças entre 3 e 6 anos são incentivadas a atividades físicas apropriadas, como primeiro passo para a descoberta de um atleta. Dos 7 aos 11 anos, os pequenos recebem noções básicas de futebol e princípios de competitividade. O treinamento aprimora as técnicas do jogo entre os 12 e 15 anos, até tornar-se mais específico e competitivo dos 16 aos 19 anos.
Para que o conceito funcione, a federação construiu cerca de 400 centros de treinamento por toda Alemanha e gasta anualmente cerca de 10 milhões de euros para qualificar 20 mil professores e escolas. Além disso, todo clube filiado à DFB deve ter sua academia de futebol com estrutura física adequada e profissionais para cada equipe de base, como preparadores físicos, psicólogos, preparadores de goleiros e equipe médica; do contrário, a agremiação não obtém licença para atuar nas ligas profissionais. Treinadores realizam um curso de 10 meses como requisito para atuar na Bundesliga – 1.200 já foram formados.


Equipe campeã europeia sub-21 em 2009 tinha seis
 jogadores agora campeões do mundo (Getty Images)
       Em condições semelhantes de infraestrutura e até mesmo de filosofia tática, as seleções de base produziram o primeiro grande retorno entre 2008 e 2009, quando a Alemanha dominou os campeonatos europeus, do sub-17 ao sub-21. Nove dos vinte e três jogadores que acabam de conquistar o tetra no Brasil estavam nessas equipes, como Manuel Neuer, Mats Hummels, Mesut Özil e Sami Khedira, o capitão do sub-21.

Já Mario Götze fazia parte da vitoriosa equipe do sub-17. O título europeu em 2009 lhe valeu a promoção à equipe principal do Borussia Dortmund e na temporada seguinte (2010-2011) o meia ajudou o time a sair da crise e a conquistar o bicampeonato da Bundesliga, terminando um jejum de 9 anos - o último título havia sido comandado pelo então técnico Mathias Sammer. Ano passado, ao trocar a equipe aurinegra pelo rival Bayern de Munique, Götze foi chamado de traidor e ganhou o apelido de “Judas”. Mas, neste domingo, Götze certamente fez os torcedores aurinegros explodirem de felicidade novamente, junto a um país que há 18 anos estava sedento por títulos.
O futebol agradece os frutos plantados na década passada por Mayer-Vorfelder (atual presidente honorário) e Sammer (hoje diretor no Bayern de Munique – deixou a federação em 2012) e que são colhidos agora. Cabe a Ulf Schott, atual diretor esportivo da DFB, dar continuidade ao trabalho de excelência na busca por gerações talentosas, que cada vez mais ameaça a hegemonia histórica brasileira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário